domingo, 21 de outubro de 2012

Pulando a cerca

Ele havia chegado ao edifício, o mais alto da cidade, famoso por seu mirante que estava acima de todos. Quando avistou o elevador, lembrou de sua infância. Não, nunca havia estado naquele lugar, nem tampouco tinha qualquer lembrança boa de elevadores. De fato, tinha um certo medo desse artefato.

Lembrou dos desenhos da infância, onde para ir para o céu ou para o inferno, sempre se pegava um elevador, se escolhesse descer, ia para o inferno, e se escolhesse subir, iria para o céu. O que ele não entendia era que para se subir, era necessário descer e para descer, era necessário subir.

A viagem é longa quando se tem que subir muitos andares, e nesse tempo ele refletia que quem tem mais medo do inferno, é quem conhece o inferno de perto. Quem viveu toda a vida feliz, dificilmente pensa nessas coisas. Agora pra quem sofreu a vida inteira, fica sempre a reflexão de como é possível que exista um lugar pior do que ele vê agora.

Dizem que o destino final de sua viagem era o inferno, apesar do elevador estar subindo, afinal estava próximo de cometer um dos poucos crimes imperdoáveis de sua religião, acabar com o que é a mais sagrado em sua religião, estava indo tirar uma vida.

Ele refletiu bastante antes de tomar essa decisão e de fato era a última saída possível. Precisava lavar sua honra, fazer sua vida voltar a ter sentido, e para isso uma vida teria que ser encerrada, afinal a árvore não pode nascer sem o sacrifício da semente.

Acariciou sua aliança.

Chegou ao mirante, e seu destino o aguardava lá. Pulou a cerca, uma ação especialmente irônica, já que foi uma pulada de cerca que o trouxe até ali. O segurança viu, correu para impedir, mas já era tarde demais. Ele estava descendo, descendo para o inferno.

Dizem que as pessoas desmaiam depois de alguns minutos, ele sabia que era mentira, pois tinha visto um rapaz pular do espaço poucos dias antes e durante toda a queda conversou como se nada estivesse acontecendo.

Mas sabia tudo seria rápido demais para ele sentir dor. E não sentir dor era tudo o que ele queria. Ele queria liberdade, liberdade da vida, que só a morte pode oferecer.

Frase do dia:
"Só vivo porque posso morrer quando quiser: sem a idéia do suicídio já teria me matado há muito tempo."
Emil M. Cioran

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