domingo, 24 de fevereiro de 2013

Sobre navios e botes.

Sempre sonhei em ir para Paradise. Trabalhei minha vida inteira para isso, estudei vários anos, cursei dois cursos superiores, criei toda a infraestrutura pessoal necessária para fazer a viagem. Nesse tempo todo, só estava aguardando uma companhia para poder realizar essa jornada. Quando consegui, conversei, a conheci e procurei fazer de tudo para que a viagem desse certo.

Entramos no nosso navio, o SS Beziehung, e tivemos um translado tranquilo por aproximadamente três anos. Conhecemos lugares, passeamos pelo mundo, fizemos planos, olhamos as estrelas. Eu sentia pela primeira vez na vida que estava próximo de chegar, e que o navio em que estava pela primeira vez tinha um rumo certo, um local de chegada.

Um certo dia, porém, senti um forte baque. O navio havia atingido alguns rochedos no mar, apenas de leve, não o suficiente para afundar, mas que seriam necessárias providências para consertar tudo. Ela me pediu ajuda pra consertar o navio, eu aceitei e fui para a ponte de comando tentar manobrar. Foi quando senti o segundo baque.

Ela havia ligado os motores e o Navio adentrado ainda mais nas rochas do local. Dessa vez não havia mais salvação para a embarcação. Olhei pela vidraça, por tempo apenas o suficiente para vê-la fugindo no penúltimo salva vidas, com um tipo grandão. Fiquei observando aquela cena incrédulo. Ela sequer olhou pra traz para demonstrar qualquer preocupação.

Afundei antes do navio. Pensei que o melhor seria morrer ali, como o capitão de mais uma tentativa de viagem fracassada. Já tinha tentado chegar em Paradise antes, e tinha sido abandonado pela companheira de viagem, sem qualquer aviso. Mas sabe-se lá por qual motivo, lutei!

Nadei para fora da ponte de comando e em direção a superfície, percebendo ao emergir que um pequeno bote, o Hoffnung. Consegui apenas me agarrar a sua frágil estrutura, que estava a beira de afundar também. Subi a bordo, e desmaiei.

Por um bom tempo não sabia se estava vivo ou morto, acreditava que estava vivo pois ainda sentia minha vida passando ao meu lado. Só que dessa vez o bote ia sem direção, errante, e via meus sonhos e oportunidades passarem e se afastarem cada vez mais.

Acordei, a deriva. Nenhum sinal de melhora por perto, nada que me fizesse ter esperança. Alguns navios passavam perto, e Deus sabe o quanto tentei sair dessa situação. Tentei por diversas vezes lançar sinalizadores para chamar atenção de outra embarcações que ali passavam, sem sucesso.

Tentei melhorar a potencia do sinalizador, criando um que era praticamente uma obra de arte, que seria um marco na história dos sinalizadores. O lancei, o navio sequer esboçou reação. Não o culpo, não são todos que se interessam sobre histórias de náufragos. Como o tempo, sobrou apenas um sinalizador no bote, e sinceramente, tenho medo de usá-lo e não dar em nada. Na verdade, não sei se tenho muita esperança de melhora.

De toda forma, se de alguma forma esse texto chegou a você, peço que guarde minha história, do homem que chegou incrivelmente perto de Paradise, mas que morreu bem antes de chegar a praia.

Frase do Dia:
"A vida é um naufrágio, mas não devemos esquecer de cantar nos botes salva-vidas."
Voltaire

Um comentário:

Let disse...

Mesmo quando gastamos o ultimo sinalizador, ainda podemos sacudir os braços.
Amo seus textos!